A constatação que se faz ao analisar a sociedade brasileira nas mais diversas manifestações da vida é a que estamos acostumados a “maquiar” nossos problemas, deixando em aberto a causa ou o motivo crucial dos males em sua origem.
Lidar com os efeitos e as consequências em suas origens implica em vontade política, reclama tempo e não raro acarreta desgaste à autoridade, órgão ou instância que assume uma conduta pró-ativa e incisiva, como vem procedendo, por exemplo, o CNJ, nas diversas providências que esse órgão vem gradualmente implantando, a fim de imprimir maior eficiência na prestação jurisdicional, buscando recuperar a credibilidade social na Justiça oficial.
Dessa forma, verifica-se que é mais fácil “contornar a situação”, como por exemplo: ao invés de incentivar o uso dos transportes coletivos, realizam-se grandes e custosos empreendimentos viários, tais como extensas pontes e viadutos, que, em muitos casos resulta tão somente em mudar o congestionamento de lugar.
Algo parecido acontece com a prestação judiciária estatal: as causas do excessivo demandismo judicial não são particularmente investigadas ou diagnosticadas, e por isso mesmo não restam eficazmente enfrentadas. Concentra-se o foco no ataque obstinado, criando providências de toda ordem. De modo geral, tem-se tentado resolver o problema através da via legislativa – a nomocracia – sem se dar conta que tal estratégia, experimentada desde o século passado, não surtiu qualquer efeito, já que os Tribunais estão sobrecarregados e o crescimento do estoque nacional de processos é estarrecedor.
A nomocracia, que á a maneira de responder às situações adversas com a criação de novas normas, tem como subproduto a fúria legislativa, que tem sido preferida à telocracia, que é a tendência a enfrentar as situações em suas origens. Conforme já explicitado, tal maneira de proceder reclama tempo expressivo e pode induzir atritos em outras áreas e setores, públicos e privados, e implica ainda em custo político para a autoridade ou órgão engajado na implementação da política estabelecida. Todo esse custeio serve a explicar – e não justificar – a preferência pela “solução normativa”, que vem se apresentando sob as vestes de uma atraente solução, tendo em vista que é mais rápida e menos impactante, repassando aos destinatários a falsa impressão de que algo foi realmente feito.
Por conta de insistir no vezo de não saber lidar com o efeito, a partir daí compreende-se o agravamento do quadro judiciário nacional, tal a crescente contenciosidade social. Outra concausa da cultura demandista ou judiciarista é a propensão que existe no interno da coletividade brasileira a repassar ao Estado a tarefa e a responsabilidade de dirimir os conflitos, de forma que tais tarefas são repassadas ao Estado antes mesmo de experimentados e esgotados outros meios auto ou heterocompositivos.
O Direito é um produto cultural, e por isso se apresenta em diversos povos com diferentes índices de adesão à Justiça estatal para resolução de conflitos emergentes na vida em sociedade. No caso brasileiro, embora a tendência registrada no sentido de divulgar outros meios de composição fora da justiça estatal, ainda denota-se a preferência clara e massiva pelo aparato judiciário oficial.
Pode-se dizer que, se é verdade que a cultura demandista ou judiciarista participa em larga escala da etiologia da questão judiciária nacional, não é menos verdade que ela veio sendo mantida e insuflada em decorrência de uma política judiciária equivocada, fundada na perspectiva quantitativa de ofertar mais do mesmo, ou seja: mais processos resultarão em mais Fóruns, mais juízes, serventuários da justiça e investimentos em informatização, “tratando-se aí de uma corrida perdida por antecipação, seja pela visível exacerbação da litigiosidade social, seja pelo conseqüente aumento do input dos processos, seja, enfim, porque o aumento da oferta acaba por retroalimentar a demanda”.
Através da simples observação do que ordinariamente acontece, verifica-se que os meios suasórios de solução de conflitos superam, em vários aspectos, o que se pode esperar da decisão judicial de mérito. Enquanto esta última só advém após um processo longo e oneroso, suscetível a recursos que podem levar um futuro indefinido, ademais as resistências da fase executória, a solução negociada é mais rápida, menos onerosa, não impactante e tende a ser cumprida, pela razão de que a solução não foi coercitivamente imposta pelo Estado-juiz, mas sim encontrada pelos próprios interessados.
Além dessas vantagens, a solução suasória de conflitos projeta ainda uma externalidade positiva, qual seja a de estimular a vera cidadania, que consiste na busca da solução da pendência entre os próprios contraditores, ainda que com auxílio externo, e não no costume de entregar todo e qualquer conflito, iminente ou já instaurado, nas mãos do Estado-juiz. Tal cultura demandista representa um falso exercício de cidadania, ao passo que “promove o afastamento entre as partes, acirra os desentendimentos, e estende o conflito a um ponto futuro indefinido, esgarçando o tecido social e sobrecarregando a justiça estatal (...)”.
Referências:
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à Justiça: condicionantes legítimas e ilegítimas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
Dra. Rafaela Costa Cardoso Gaspar – Advogada - OAB/PR 68.332 – Membro do Núcleo OAB Jovem de Londrina/PR
A cultura demandista é alimentada pelo próprio ESTADO pois a este interessa sempre usurpar ou negar o direito do cidadão se utilizando do Judiciário com suas milhares de ações diárias e um numero indefinido de recursos, com privilégios sobre prazos e defesas.
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