Na última década, a Justiça
Restaurativa vem sendo gradativamente implementada no Brasil como uma forma
alternativa na solução de conflitos, que visa mediar um conflito, seja ele de
natureza civil ou criminal, a partir da conciliação entre as partes, a fim de
se alcançar uma solução mais sensível e particularizada para determinado
litígio ou infração, com o foco na reparação dos danos causados.
Nessa perspectiva, a prática
da Justiça Restaurativa, em âmbito criminal, trata-se de um processo
colaborativo entre as partes, de caráter extrajudicial, que pode ser adotada
tanto antes da propositura da ação penal, como de forma concomitante, ou ainda
posterior, em fase de cumprimento de pena.
A proposta dessa mediação,
que pode ser realizada por profissionais de várias áreas, e não somente do
direito, como por exemplo psicólogos e assistentes sociais, leva em conta a
necessidade das partes, sejam elas vítimas e agressores, seus familiares ou
ainda a sociedade.
Diante do crescente aumento
das demandas judiciais no Brasil, a adoção de meios alternativos de solução de
conflitos passa a ser um importante instrumento de resolução de conflitos
sociais bem como serve como uma ferramenta legítima para desafogar o volume de
processos no sistema judiciário, trazendo celeridade e eficiência no manejo dos
conflitos, buscando um maior equilíbrio entre o ato praticado e a sua
consequência.
A professora Soraia da Rosa
Mendes destacou em artigo recente[1] um argumento importante
acerca da promoção de um novo modelo de justiça:
Corriqueiramente, “os defensores das formas alternativas de resolução de conflitos
pretendem promover um novo modelo de justiça, que permita à comunidade
reapropriar-se da gestão dos conflitos, com a intervenção de não profissionais.
Estes movimentos desenvolvem sobretudo experiências de mediação em matéria
penal, de vizinhança e mesmo escolar e de família, com a formação de mediadores
pertencentes a diferentes profissões ou comunidades. Ao lado do modelo
adjudicatório ou retributivo tradicional, passa a existir um modelo de justiça
negociada, de compensação, reparadora ou restaurativa, seja no processo de
decisão ou na execução das penas”.[2]
Desse modo, é possível
perceber que o judiciário caminha para o incentivo de projetos, processos e
intervenções que envolvam uma maior participação popular na gestão dos
conflitos.
Desde a sua implementação, a
Justiça Restaurativa vem sendo muito utilizada para resolver conflitos de
natureza escolar, envolvendo menores infratores ou ainda crimes de menor
potencial ofensivo.
Isso não quer dizer que a
Justiça Restaurativa não possa lidar com crimes mais graves, apenas reflete o
seu estágio inicial de desenvolvimento no Brasil, além da falta de uma
estrutura estatal apropriada e da escassez na formação de profissionais
capacitados para a adoção de sua prática em maior escala.
Com esses dados é seguro
dizer que a inovação na solução de conflitos proposta pela Justiça Restaurativa
trata-se de um avanço no campo da resolução de conflitos e reparação de danos,
possibilitando a concretização da função ressocializadora que o Estado se
dispõe a obter através do sistema judicial punitivo, só que de forma mais
democrática e autodeterminada, através da responsabilização individual, livre e
autônoma do agressor.
Em que pese os inegáveis
benefícios provenientes da propagação da cultura de paz que subsidia a ideia da
Justiça Restaurativa, é importante observarmos a singularidade de cada ofensa
submetida a seu procedimento.
No caso dos crimes de
violência familiar e doméstica contra a mulher me parece incompatível conceber
algum benefício para a vítima diante da prática restaurativa.
Ainda que uma possível
mediação e conciliação entre as partes possa parecer positiva e, em última
análise, servir como um bem à manutenção das relações familiares, a noção de um
acordo firmado com a anuência da vítima de violência doméstica e familiar pode
ser facilmente questionada, tanto do ponto de vista ético quanto legal, em
razão da fragilidade psíquica, política, econômica, social e emocional da
mulher vítima deste tipo de violência.
Nas situações de violência
doméstica e familiar é comum que o agressor cometa uma série de atos perversos
contra a sua vítima, que começam como agressões psicológicas reiteradas,
reduzindo a vítima a um estado psicológico de submissão e subserviência, de
verdadeira destruição emocional, no qual a vítima fica cada vez mais isolada e
vulnerável as suas agressões, sejam elas físicas ou morais, de forma que ela
perca o seu poder de resistência e abandono daquela condição.
Trata-se de uma forma de
violência que prejudica toda a entidade familiar e que acaba se sustentando muitas
vezes pelo discurso social da importância da preservação e manutenção da
conjugalidade, que massivamente recai sobre a mulher.
Assim, com a constatação da
dificuldade específica que envolve este crime, embasado pelas estatísticas
amplamente divulgadas que demonstram tanto a incidência dos crimes de violência
domiciliar e familiar contra a mulher bem como os dados acerca da dificuldade
que as vítimas apresentam em registrar a queixa contra os seus agressores e
seguirem adiante com os procedimentos judiciais, necessário se faz uma reflexão
sobre a aplicabilidade da Justiça Restaurativa contra essa espécie de delito.
Com isso, diante dos
pressupostos da Justiça Restaurativa, parece-me razoável afirmar que a prática
restaurativa de resolução de conflitos é totalmente incompatível com os crimes
de violência em âmbito familiar e doméstico cometidos contra a mulher.
[1]MENDES, Soraia da Rosa. Justiça restaurativa e violência doméstica:
yo no creo em brujas, pero que lashay, lashay... . Disponível em <http://emporiododireito.com.br/justica-restaurativa-e-violencia-domestica/>. Acessado em 13 de junho de 2016.
[2]AZEVEDO,
Rodrigo Ghiringelli de. PALLAMOLLA, Raffaella da Porciuncula. Alternativas de
Resolução de Conflitos e Justiça Restaurativa no Brasil. In: KHALED JR., Salah. Sistema
Pena e Poder Punitivo: estudos
em homenagem ao Prof. Aury Lopes Jr. Florianópolis: Empório do Direito, 2015.
Pp. 424- 437
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Vanessa Armeni de Paula Machado - OAB /PR 73.064
Coordenadora
da Subcomissão de Apoio Filantrópico e Social
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