O século XX, segundo Sérgio Cavalieri Filho , é considerado como o século dos novos direitos, sendo o direito do consumidor um dos mais importantes, tanto em razão de sua finalidade, quanto pela amplitude do campo de incidência.
No Brasil, a proteção dos direitos do consumidor foi consagrada constitucionalmente apenas em 1988, quando a Constituição Federal, em seu art. 5º, inc. XXXII, incumbiu ao Estado o dever de promover a defesa do consumidor – que passou a figurar dentro do rol dos direitos e garantias fundamentais – com o objetivo de restabelecer o equilíbrio e a igualdade nas relações de consumo.
Contudo, o cumprimento do referido dever ficou condicionado à edição de lei específica que regulasse os direitos do consumidor, o que somente aconteceu em setembro de 1990, quando foi sancionada a Lei nº 8.078, igualmente responsável pela criação da Política Nacional de Relação de Consumo.
Desta forma, nos termos da Lei 8.078/90, considera-se consumidor “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final” e fornecedor todo aquele que desenvolve atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços, incluídos os de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária (art. 3º, caput e §§ 1º e 2º CDC).
Assim, com o advento do Código de Defesa do Consumidor, que não apenas identificou as figuras do consumidor e do fornecedor, como também positivou uma série de direitos e princípios que devem reger as relações de consumo, houve a adoção da teoria da responsabilidade objetiva, incorporada à teoria do risco empresarial, onde basta a demonstração do fato e a ocorrência do dano, ligados pelo nexo de causalidade, para que haja o dever de indenizar por parte do fornecedor de produto ou serviços.
Melhor explicando, a teoria do risco profissional traz consigo a ideia de que quem visa os cômodos, deve suportar os incômodos (ubi commoda, ibi incommoda), isto é, quem visa o lucro, como o empresário, por exemplo, deve suportar os prejuízos decorrentes de sua atividade.
Partindo destas premissas, passa-se agora a analisar a responsabilidade do fornecedor/prestador de serviços no caso de furto em estacionamento oferecido por estabelecimento comercial.
Ainda hoje, é muito comum se encontrar em estacionamentos placas através das quais o empresário busca se eximir da responsabilidade pelos veículos deixados em seu estacionamento, com dizeres como “Não nos responsabilizamos pelos objeto deixados no interior do veículo”, ou ainda, “Não nos responsabilizamos por furto ou danos causados ao veículo”.
Trata-se de cláusula de irresponsabilidade, que busca afastar o próprio dever de responder pelos danos que porventura sobrevierem. Entretanto, apenas a lei pode excepcionar as situações em que, apesar da ocorrência do dano, o agente não será responsabilizado, não tendo qualquer validade qualquer convenção em sentido contrário.
No caso de estacionamentos comerciais, cabe salientar que a jurisprudência já pacificou o entendimento de que o mesmo é um atrativo, servindo como fator de captação de clientela, tendo em vista a comodidade proporcionada àqueles que se dirigem ao local , cabendo ao empresário oferecer amplo cuidado e vigilância, ainda que o estacionamento ofertado aos clientes seja de forma gratuita.
Além do mais, a Súmula 130 do Superior Tribunal de Justiça é clara ao afirmar que “a empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento”, justamente pelo fato de os estacionamentos em supermercados e shopping centers, por exemplo, atraírem um número sem fim de clientes em potencial, proporcionando-lhes maior segurança, conforto e comodidade.
Em outros termos, “Não dá para imaginar um shopping center (assim como um supermercado, um banco, uma grande loja de departamentos, etc.) sem estacionamento. É-lhe inato, essencial à sua própria existência e estrutura [...]”.
Nesse sentido, ao explorar atividade com vistas a obter lucro, proporcionando estacionamento a seus clientes justamente para aumentar sua captação, não pode a empresa furtar-se ao dever de indenizar, pois, conforme pacífica doutrina e jurisprudência, a empresa deve proporcionar plena vigilância e cuidado aos seus clientes.
Desta forma, por estacionamento existir como parte essencial do negócio, gera para o cliente uma verdadeira expectativa de guarda, e uma vez configurada a relação de consumo, a suposta gratuidade e tampouco a existência de avisos sobre furtos de veículos e o livre acesso ao estacionamento são capazes de ilidir a responsabilidade da empresa, pois a responsabilidade daquele que exerce atividade empresarial é objetiva, não podendo a empresa eximir-se do dever de indenizar.
REFERÊNCIAS:
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
FARIAS, Cristiano Chaves de. Responsabilidade Civil dos Shopping Centers por Danos Causados em seus Estacionamentos: um brado contra a indevida informação. In: Revista de Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, janeiro-março de 2005, v. 21, p. 71.
NUNES, Rizzato. O Código de Defesa do Consumidor e sua interpretação jurisprudencial. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
FARIAS, Cristiano Chaves de. Responsabilidade Civil dos Shopping Centers por Danos Causados em seus Estacionamentos: um brado contra a indevida informação. In: Revista de Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, janeiro-março de 2005, v. 21, p. 71.
NUNES, Rizzato. O Código de Defesa do Consumidor e sua interpretação jurisprudencial. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
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