terça-feira, 9 de setembro de 2014

ARTIGOS DOS MEMBROS DO NÚCLEO: "O enfraquecimento da responsabilidade civil frente aos contratos de seguro"

O sistema da responsabilidade civil previsto no Código Civil brasileiro de 1916 estava fundado na prática de um ato ilícito, cujo elemento nuclear era a culpa. Assim, para que surgisse o dever de indenizar era imprescindível que a vítima comprovasse a culpa do agente, compreendida na negligência, imperícia ou imprudência.

Entretanto, após as profundas mudanças sociais provocadas pela Revolução Industrial, os acidentes causados pela utilização de técnicas ainda em desenvolvimento multiplicaram-se, fazendo com que as insuficiências da responsabilidade civil individual e subjetiva viessem à tona.[1] 

A partir de então, a responsabilidade passou a ocupar um lugar central dentre as preocupações dos civilistas, notadamente em relação à necessidade de se flexibilizar ou mesmo afastar a culpa, com o fim de resolver os problemas decorrentes da reparação dos danos.

Ao mesmo tempo em que tais mudanças ocorriam, os contratos de seguro começaram a se desenvolver, abalando ainda mais o equilíbrio interno da responsabilidade tradicional ao abrir espaço à coletivização dos riscos.

A partir de então, passou-se a se falar amplamente em responsabilidade sem culpa. Assim, a expansão do regime de responsabilidade objetiva e a consequente restrição do papel da culpa na responsabilidade civil, fizeram com que se desenvolvesse o “seguro de responsabilidade”, fenômeno de grande amplitude na França e cada vez mais frequente no Brasil.

Através desse seguro, a incidência pecuniária da indenização recai normalmente sobre a seguradora, afastando, em um primeiro momento, a necessidade de se comprovar a culpa por parte do agente causador do dano, seja em caso de responsabilidade civil contratual ou extracontratual.

Além do mais, a responsabilização direta da seguradora permite à vítima obter o pagamento da indenização sem a necessidade de se transitar pelo patrimônio pessoal do causador do dano, evitando, com isso, outros credores. Desta maneira, a vítima deixa de figurar como um terceiro que se beneficiaria do seguro, passando a ser considerada como um credor direto da seguradora.

Diante disso, é possível verificar que o papel do causador do dano se tornou teórico e praticamente fictício, pois em razão da existência do seguro de responsabilidade civil, o procedimento de reparação dos danos se dá entre a vítima e a seguradora.

Esta ampla difusão da responsabilidade objetiva comprova a “decadência das concepções elaboradas no âmbito do individualismo jurídico para regular os problemas mais agudos da sociedade atual”.[2] 

Ante o exposto, verifica-se que a generalização dos seguros tem atenuado sensivelmente o efeito dissuasivo das condenações civis, vez que as indenizações acabam sendo pagas pelas seguradoras, não se atingindo, em regra, o patrimônio pessoal do causador do dano. 

Por fim, convém destacar que nas relações interindividuais, a adoção da responsabilidade subjetiva ainda se apresenta como conveniente, devendo a responsabilidade objetiva, garantida muitas vezes pelos seguros de responsabilidade, ficar reservada apenas aos casos em que há intrínseca desigualdade entre as partes, como as relações de consumo, acidentes de trabalho e relações com o Estado. 

REFERÊNCIAS:

MORAES, Maria Celina Bodin de. Na medida da pessoa humana: estudos de direito civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2010.
VINEY, Geneviève Viney. Introduction à la Responsabilité. 3. ed., Paris: L. G. D. J., 2008.
VINEY, Geneviève; JOURDAIN, Patrice. Les Conditions de la Responsabilité. 3. ed., Paris: L.G.D.J., 2006.

[1] VINEY, Geneviève. Introduction à la Responsabilité. 3. ed., Paris: L. G. D. J., 2008, p. 26.
[2] MORAES, Maria Celina Bodin de. Na medida da pessoa humana: estudos de direito civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 402.
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Dra. Marília Barros Breda - Advogada - OAB/PR 57.936 - Membro do Núcleo OAB Jovem de Londrina

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