terça-feira, 16 de junho de 2015

ARTIGOS DOS MEMBROS DO NÚCLEO: "O Sistema Penal e os Inimigos Sociais"

Em um exame crítico sobre o Direito Penal, nota-se que algumas normas são produzidas para incidir, outras para meramente existirem. Esse, sem dúvida, é o ponto inicial de uma reflexão, que busca cogitar a utilização da ideologia do Direito Penal do Inimigo no sistema brasileiro.

A conceituação de “inimigo” acontece de forma progressiva nos cidadãos, pois, ao estarem inseridos em um determinado contexto, tentam proteger seus bens, cultura, hábitos e direitos daqueles que julga representarem uma ameaça a essa qualidade de vida.
 

Assim, é muito comum um sujeito que goze de certa estabilidade financeira enxergue as pessoas de uma favela como um possível risco à seu patrimônio, principalmente por conta dos altos indicies de criminalidade advindos daquela comunidade, materializando-os como inimigos de seu patrimônio e de sua segurança.

A rotulação de pessoas como meros inimigos sociais levou a situações catastróficas no decorrer da história, podendo citar o holocausto, que, inclusive, contava com o respaldo legal, onde judeus, considerados inimigos do povo alemão, eram segregados e mortos.

Tal situação pode ocorrer, pois o sistema penal não somente reflete os valores existentes em uma comunidade, na qual esse também os modifica ao longo do tempo, sendo esses valores eleitos e determinados pela classe dominante, transformando o sistema penal em um produto ideológico político, social e econômico dessas elites existentes em um determinado momento histórico.

Nota-se que esses detentores do poder utilizam o sistema penal com uma dupla finalidade: criminalizar atos que atentem contra seus bens jurídicos e furtar-se ao máximo da incidência de crimes que possam atingi-los, deixando-os em segundo e até terceiro plano, como exemplo o delito de lavagem de dinheiro, crimes contra o sistema financeiro, desvios de dinheiro público, etc.

Essa dominação é expandida através da imprensa ou outros meios de comunicação de massa, criando o criminoso-padrão, geralmente uma pessoa pobre, sem formação acadêmica e que vive paralelamente à sociedade dita “comum”, ocorrendo uma clara rotulação como perigo social.

Eugenio Raul Zaffaroni e José Henrique Pierangelli ao tratarem dessa questão ensinam: “o criminoso é simplesmente aquele que se tem definido como tal, sendo esta definição produto de uma interação entre o que tem o poder de etiquetar (“teoria do etiquetamento ou labelling theory) e o que sofre o etiquetamento, o que acontece através de um processo de interação, de etiquetamento ou de criminalização".

As elites criam o inimigo, a sociedade os adota e o sistema penal os segrega, para tal, utilizam-se de diversas ferramentas, como a inclusão desse “inimigo” em prisões superlotadas que não tentam recuperá-lo, pois essa nunca foi a intenção do sistema. Assim, o sistema penal discrimina e exclui cada vez mais os “rotulados como marginais”, pois não se encaixam ao “modelo ideal”, preconizado pelas classes dominantes, perpetuando uma estratificação perigosa e injusta.
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Dr. André Luis de Carvalho - Advogado - OAB/PR nº. 75.485 - Membro do Núcleo OAB Jovem de Londrina

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