A imputabilidade de agentes é um tema por vezes delicado. A problemática que envolve ocorre não só no Brasil, mas também em outros países do mundo. Na teoria, é bastante simples, porém a prática é bem mais capciosa. O artigo 26 do Código Penal define os inimputáveis como aqueles que, por conta de doença ou deficiência mental, são incapazes de compreender o caráter ilícito do fato. Estes são isentos da pena. Porém, os agentes que por conta de perturbações mentais não compreendem inteiramente a ilicitude dos seus atos, a pena pode ser reduzida de um a dois terços. Na prática, no entanto, são bem mais complexas.
Pericialmente não há exames idôneos o suficiente para comprovar com exatidão o discernimento do agente quanto ao crime cometido. As perícias médicas, em sua grande maioria, são realizadas em poucos minutos.
Há teorias de que um assassino em série, por exemplo, por mais doentia que possa parecer sua atitude, deve ser devidamente punido já que o fato de tentar esconder dos outros os crimes que comete é sinal de que sabe do seu caráter ilícito. Estes tipos de agentes, diga-se “psicopatas”, são semi-imputáveis porque compreendem parcialmente o grau ilícito da conduta que cometeram. Segundo o advogado criminalista Luiz Guilherme Vieira, o chamado psicopata, sabe o que fez, mas não vê problemas em sua ação. Nestes casos, ele é imputável, mas sua pena é reduzida.
Reconhecer, no entanto, quando se está diante de um psicopata continua sendo um grande desafio. Em 1966, Francisco Costa Rocha, que ficou conhecido como Chico Picadinho, matou e esquartejou uma bailarina, sem qualquer motivo aparente. Foi considerado imputável e passou oito anos e dez meses na prisão. Dois anos depois, cometeu o mesmo crime contra uma prostituta. Desta vez, foi considerado semi-imputável. Condenado, cumpriu pena máxima. O Ministério Público, então, conseguiu comprovar que Chico Picadinho era um psicopata e ele foi encaminhado para um hospital psiquiátrico.
Thiago Anastácio, advogado criminalista, cita o caso do Maníaco do Parque, que foi condenado como imputável pelo assassinato de várias mulheres. "Ele estuprava, matava a vítima e no outro dia voltava para ter relações sexuais. Isso não é ação de gente normal." Depois de cumprir a pena e pagar sua dívida com a sociedade, Francisco de Assis Pereira terá de ser solto. "Ele foi condenado como assassino imputável e, em 15 anos, pode ser libertado." Para Anastácio, existe uma incongruência na decisão. O advogado acredita que o Maníaco tem consciência dos seus atos, porém não tem controle sobre elas. "É como se existisse um impulso dentro dele que o levava a cometer os estupros", diz. Sua conclusão se dá no atraso presente na legislação, em relação à psiquiatria. Explica que mesmo diante dos evidentes distúrbios mentais, a legislação não possui uma determinação específica para ele, já que o Maníaco tinha consciência dos seus atos. "Ele vai sair e pode voltar a cometer os crimes", afirma.
As medidas aplicadas aos inimputáveis também deixam a desejar. O advogado criminalista Luiz Guilherme Vieira conta que, uma vez reconhecida a inimputabilidade do réu, ele permanece por tempo indeterminado em tratamento psiquiátrico e passa por exames constantes para detectar a evolução do quadro psicológico. Muitas vezes, passa a vida internado em hospitais psiquiátricos sem poder sair o que impõe um caráter quase perpétuo a pena.
Inimputabilidade temporária
No meio da confusão sobre imputáveis e inimputáveis, o artigo 27 do Código Penal é o mais simples e facilmente aplicado. Menores de 18 anos são inimputáveis. Aqui, não há discussão. O problema acontece, no entanto, quando um menor comete um crime digno dos chamados psicopatas. Foi o que aconteceu com o garoto que ficou conhecido no país como Champinha. Ele matou friamente um casal de namorados, depois de estuprar a menina, em Embu-Guaçu - SP. Foi enviado para a Fundação Casa para cumprir medida sócio-educativa. Três anos depois, prazo máximo de internação, e já maior de idade, ganharia o direito de voltar para as ruas. Por enquanto, o Ministério Público conseguiu provar que o já adulto tem distúrbios mentais e ele está em tratamento em um hospital psiquiátrico.
A discussão sobre quem é ou não inimputável vai além: crimes cometidos em momentos de surto psicológico ou fortes emoções. Estas situações são de difícil análise. Nestes casos é essencial é a averiguação da capacidade de discernimento do agente no momento do crime. Se ele não estava consciente, por um surto isolado, pode ser considerado como inimputável. No entanto, não faz sentido ser encaminhado para tratamento psicológico, já que não possui qualquer transtorno mental. Como exemplo pode-se citar: “uma mulher esfaqueou e matou, dentro da delegacia, o homem que estuprou seu filho logo após ser informada do fato. Neste caso, a atitude pode ser considerada instintiva e de defesa contra a agressão psicológica que ela sofreu. Com esta tese consegue-se pleitear, com grandes chances de sucesso, a absolvição em júri popular.
Nos Estados Unidos, para casos semelhantes, existe uma causa excludente de imputabilidade denominada insanidade legal, ou, legaly insane. Trata-se da absolvição do réu, diante de sua atitude ter sido motivada por provocação psicológica extrema. A explicação é como houvesse acontecido um surto isolado. É como se uma pessoa ao se deparar com o assassino de um ente querido, logo após o acontecimento do fato, e, guiado por forte sentimento de emoção, perdesse o controle e matasse o assassino.
No ordenamento jurídico pátrio, mais especificamente o artigo 28 do C.P, proclama que não é causa excludente de imputabilidade a emoção, a embriaguez voluntária ou a perda da consciência por conta do uso voluntário de drogas, porém, se o agente estava sob efeito de remédios no momento do delito que alteraram seu discernimento, ele é considerado como semi-imputável, ou seja, tinha consciência parcial dos seus atos. O ex-presidente do Conselho Nacional de Política Criminal, Sérgio Salomão Shecaira, conta o caso de um criminoso que conseguiu provar que, quando cometeu o delito, estava em meio a um tratamento com remédios que causavam a perda de discernimento. Por isso, ele foi considerado inimputável. De acordo com o Código Penal, ele deveria ser encaminhado a tratamento psiquiátrico. No entanto, ao cessar o tratamento, os sintomas desapareceram, o que lhe eximiu de qualquer medida judicial.
Luis Guilherme Cassaroti
OAB/PR 57.911
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Referências:
______. Curso de direito penal brasileiro. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2002. v. 1.