segunda-feira, 16 de maio de 2016

A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS NOTÁRIOS E OFICIAIS DE REGISTROS PÚBLICOS

Para compreender a situação é importante discorrer sobre alguns conceitos básicos acerca do tema.
De início, faz-se necessário entender a noção do que seja responsabilidade civil. Em geral, toda atividade que acarreta prejuízo traz em seu bojo, como fato social, o problema da responsabilidade2. Vacquin3 observa que “responsabilidade deriva de responder, dar uma resposta”, portanto ela destina a restaurar o equilíbrio desfeito por conta da transgressão normativa/ acontecimento danoso. Assim, responsabilidade é a possibilidade de imputar, por isso “responder”, um ato a alguém sob o dever de reparar. Por conta disso, ela nasce como consequência da violação da obrigação. Por exemplo, caso uma pessoa faça um compromisso de prestar determinado serviço a alguém e não o faz, é responsável; ou se, ao comprar um produto em prestações, não aconteça o pagamento das parcelas restantes. Em síntese, violou-se a obrigação originária. Essa é a ideia geral e básica sobre o instituto.
Além disso, pode-se dividir em dois modos a responsabilidade: objetiva ou subjetiva.
Responsabilidade subjetiva é a clássica, será responsável quem cometer ação com culpa lato sensu (negligência, imprudência ou imperícia) ou dolo. Nos três primeiros casos uma conduta que não havia o desejo pelo resultado, mas por conta de alguma situação de ausência de cuidado ou conhecimento, ele ocorreu. Assim, mesmo que não houve a expressa vontade de incorrer naquele resultado, há a gradação da conduta, a culpa e, consequentemente, a responsabilidade. Já em relação ao dolo stricto sensu, há vontade manifesta e clara de agir de determinado modo e produzir o resultado.
Responsabilidade objetiva são os casos em que não é necessária a caracterização desse elemento subjetivo, seria suficiente apenas a prova do dano e o nexo causal entre ele e a conduta do agente. Como exemplo, há a situação do art. 936 do CC (Lei nº 10.406/02) que afirma ser o dono ou detentor do animal responsável pelos danos que este causar a terceiros. Desta forma, mesmo que não houve culpa do sujeito dono do animal, deve arcar com os prejuízos que seu animal causou porque era responsável pelo seu cuidado.
Passada a situação da responsabilidade, vamos aos notários e registradores. Para não complicar, conceituamos o notário e o registrador como “profissionais do direito, dotados de pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro4”. Não cabe aqui expor sobre delegação, mas saiba que neste caso, por curiosidade, o Poder público não executa diretamente esta atividade e a delega (“atribui”) aos particulares. Desta forma, não é a Prefeitura de determinado Município ou o Estado do Paraná que exerce atividade cartorária, mas sim os particulares.
Ao saber sobre responsabilidade, seus modos e quem são os notários e oficiais, podemos analisar com mais propriedade o tema. A Lei nº 8.935/94 regulamenta o art. 236 da CF dispondo a respeito dos serviços notariais e de registro. Particularmente, em seu artigo 22, houve uma alteração substancial diante da sua “antiga” (2015) redação.
Dispunha anteriormente:


“Art. 22. Os notários e oficiais de registro, temporários ou permanentes, responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros 5 , inclusive pelos relacionados a direitos e encargos  trabalhistas,  na  prática  de  atos  próprios  da     serventia, assegurado aos primeiros o direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos”.


Perceba que em nenhum momento o artigo fala em culpa lato sensu dos notários e oficiais. Desta forma, o elemento subjetivo não era importante para a responsabilização. Caso ocorresse alguma situação de dano provável, apenas era necessário demonstrar o nexo causal entre ele e o sujeito que restaria caracterizada a responsabilidade. Haviam precedentes que entendiam dessa forma:

STJ: (...) O entendimento desta Corte Superior é de que notários e registradores, quando atuam em atos de serventia, respondem direta e objetivamente pelos danos que causarem a terceiros. (...)6

Também a doutrina concordava quase unanimemente a respeito7:


“A nosso ver, a responsabilidade do registrador é objetiva (...) A regra somente exige o elemento subjetivo do preposto, para que o titular da serventia possa exercer o direito de regresso contra este(...) Logo, para caracterizar a responsabilidade civil do registrador bastam o resultado lesivo e o nexo causal entre o dano e a conduta do agente”.

Os fundamentos legais para essa constatação estariam no art. 37 § 6º da CF que afirma: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes8, nessa qualidade, causarem a terceiros”.
Também nesse caso não menção alguma ao elemento subjetivo, o que conduz a uma interpretação sobre a desnecessidade de provar a culpa. Veja que a situação se encaixa porque os serviços cartorários são serviços públicos, exercidos em caráter privado, por delegação do Poder público (art. 236 CF).
Esse entendimento, até aqui, era pacífico na doutrina e jurisprudência em concordar com a responsabilidade objetiva dos notários e registradores.
Porém, mesmo com a antiga redação, Gonçalves pensava de uma forma diversa. Para ele, poderia o autor optar em acionar o poder público com fulcro no artigo 37 § 6º CF pela responsabilidade objetiva ou, diversamente, o notário ou registrador, tendo que, neste caso, provar a culpa9.
Ao que parece, a Lei 13.286/2016 seguiu o entendimento de deste autor e propôs a seguinte redação:

“Art. 22. Os notários e oficiais de registro são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que causarem a terceiros, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso.

Note que a lei acaba de alterar a situação ao incluir a culpa na caracterização da responsabilidade dos notários e oficiais de registros. Essa mudança é deveras importante porque aquele que foi prejudicado por algum ato notarial necessita provar a culpa do notário, diferentemente da situação anteriormente pacificada em que a responsabilidade era objetiva e o elemento subjetivo não era requisito. Desta forma, atribuir a responsabilidade a um oficial cartorário ficou mais difícil diante da infausta necessidade de provar a culpa. Pense: o quão complexo seria diante de uma grande cidade como São Paulo num cartório central que realiza centenas, ou até milhares, de atos diários, ser necessário demonstrar o elemento volitivo do oficial por conta do ato danoso que realizou em prejuízo a alguém?
A constitucionalidade da Lei nº 13.286/2016 provavelmente será questionada no STF. Isso porque, como vimos acima, o entendimento dominante consiste em aplicar aos notários e registradores a regra do art. 37, § da CF/88 prevalecendo a responsabilidade objetiva. Enquanto isso, a nova lei com esse entendimento já é válida e está produzindo efeitos nacionalmente.

1 Artigo elaborado para o Blog Núcleo OAB Jovem Londrina/PR em 14/05/16.
2 Gonçalves, Carlos Roberto, Direito civil brasileiro, volume 4: responsabilidade civil / Carlos Roberto Gonçalves. – 9. ed. – São Paulo : Saraiva, 2014, pg. 21,0 (programa calibre), livro digital
3 Apud Mello, Celso Albuquerque de. Responsabilidade Internacional do Estado, Rio de janeiro: Renovar, 1995, p. 4
4 Loureiro, Luiz Guilherme, Registros públicos : teoria e prática / Luiz Guilherme Loureiro. - 5. ed. rev., atual e ampl. - Rio de Janeiro : Forense ; São Paulo : MÉTODO, 2014, pg 56,7 (programa calibre), livro digital
5 Grifo nosso
6 STJ. 4ª Turma. AgRg no AREsp 110.035/MS, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 23/10/2012 7
7 Loureiro, Luiz Guilherme, Registros públicos : teoria e prática / Luiz Guilherme Loureiro. - 5. ed. rev., atual e ampl. - Rio de Janeiro : Forense ; São Paulo : MÉTODO, 2014, pg 73,6 (programa calibre), livro digital, com grifos nossos
Grifo nosso
9Gonçalves, Carlos Roberto, Direito civil brasileiro, volume 4: responsabilidade civil / Carlos Roberto Gonçalves. 9. ed. São Paulo : Saraiva, 2014, pg. 685,4 (programa calibre), livro digital

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Guilherme Lucas Valério - OAB/PR 80.054
Membro do Núcleo OAB Jovem

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