Para compreender a situação é importante discorrer sobre
alguns conceitos básicos acerca do tema.
De início, faz-se necessário entender a noção do que
seja responsabilidade civil. Em geral, toda atividade que acarreta prejuízo
traz em seu bojo, como fato social, o problema da
responsabilidade2.
Vacquin3 observa
que “responsabilidade deriva de responder, dar uma resposta”, portanto ela
destina a restaurar o equilíbrio desfeito por conta da transgressão normativa/
acontecimento danoso. Assim, responsabilidade é a possibilidade de imputar, por
isso “responder”, um ato a alguém sob o dever de reparar. Por conta disso, ela nasce como consequência da violação da obrigação. Por exemplo, caso uma pessoa faça um compromisso de prestar
determinado serviço a alguém e não o faz, é responsável; ou se, ao comprar um
produto em prestações, não aconteça o pagamento das parcelas restantes. Em
síntese, violou-se a obrigação originária. Essa é a ideia geral e básica sobre
o instituto.
Além disso, pode-se
dividir em dois modos a responsabilidade: objetiva
ou subjetiva.
Responsabilidade subjetiva é a clássica, será
responsável quem cometer ação com culpa lato
sensu (negligência, imprudência ou imperícia) ou dolo. Nos três primeiros casos há uma conduta que não havia o desejo pelo resultado, mas por conta de alguma situação de ausência de cuidado ou
conhecimento, ele ocorreu. Assim, mesmo que não houve a expressa vontade de
incorrer naquele resultado, há a gradação da conduta, a culpa e,
consequentemente, a responsabilidade. Já em relação ao dolo stricto sensu, há vontade manifesta e
clara de agir de determinado modo e produzir o resultado.
Responsabilidade objetiva são os casos em que não é
necessária a caracterização desse elemento subjetivo, seria suficiente apenas a
prova do dano e o nexo causal entre ele e a conduta do agente. Como exemplo, há
a situação do art. 936 do CC (Lei nº 10.406/02) que afirma ser o dono ou
detentor do animal responsável pelos danos que este causar a terceiros. Desta
forma, mesmo que não houve culpa do sujeito dono do animal, deve arcar com os
prejuízos que seu animal causou porque era responsável pelo seu cuidado.
Passada a situação da responsabilidade, vamos aos
notários e registradores. Para não complicar, conceituamos o notário e o
registrador como “profissionais do direito,
dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro4”. Não cabe
aqui expor sobre delegação, mas saiba que neste caso, por curiosidade, o Poder público
não executa diretamente esta atividade e a delega
(“atribui”) aos particulares. Desta forma, não é a Prefeitura de determinado Município ou o Estado
do Paraná que exerce atividade cartorária, mas sim os particulares.
Ao saber sobre responsabilidade, seus modos e quem são
os notários e oficiais, podemos analisar com mais propriedade o tema. A Lei nº
8.935/94 regulamenta o art. 236 da CF dispondo a respeito dos serviços
notariais e de registro. Particularmente, em seu artigo 22, houve uma alteração
substancial diante da sua “antiga” (2015) redação.
Dispunha anteriormente:
“Art. 22. Os notários e oficiais de
registro, temporários ou permanentes, responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros 5 , inclusive
pelos relacionados a direitos e encargos
trabalhistas, na prática
de atos próprios
da serventia, assegurado aos
primeiros o direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos”.
Perceba que em nenhum momento o artigo fala em culpa lato sensu dos notários e oficiais.
Desta forma, o elemento subjetivo não era importante para a responsabilização.
Caso ocorresse alguma situação de dano provável, apenas era necessário
demonstrar o nexo causal entre ele e o sujeito que restaria caracterizada a
responsabilidade. Haviam precedentes que entendiam dessa forma:
STJ: (...)
O entendimento desta Corte Superior é de que notários e registradores, quando
atuam em atos de serventia, respondem direta e objetivamente pelos danos que causarem a
terceiros. (...)6
Também a doutrina concordava quase
unanimemente a respeito7:
“A nosso
ver, a responsabilidade do registrador é objetiva (...) A regra somente exige o elemento subjetivo do preposto, para que o titular da serventia possa exercer o
direito de regresso contra este(...) Logo, para caracterizar a
responsabilidade civil do registrador bastam o
resultado lesivo e o nexo causal entre o dano e a conduta do agente”.
Os fundamentos legais
para essa constatação estariam no art. 37 § 6º
da CF que afirma: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de
serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes8, nessa
qualidade, causarem a terceiros”.
Também nesse caso não há menção alguma
ao elemento subjetivo, o que conduz
a uma interpretação sobre a desnecessidade de provar a culpa. Veja que
a situação se encaixa porque os serviços cartorários são serviços públicos,
exercidos em caráter privado, por delegação do Poder público (art. 236 CF).
Esse entendimento, até aqui, era pacífico na doutrina e jurisprudência em concordar com a responsabilidade
objetiva dos notários e registradores.
Porém, mesmo com a antiga redação, Gonçalves pensava de
uma forma diversa. Para ele, poderia o autor optar
em acionar o poder público
com fulcro no artigo 37 § 6º CF pela responsabilidade
objetiva ou, diversamente, o notário ou registrador, tendo que, neste caso,
provar a culpa9.
Ao que parece,
a Lei nº 13.286/2016 seguiu o entendimento de deste autor e propôs a seguinte redação:
“Art.
22. Os notários e oficiais de registro são civilmente responsáveis por todos os
prejuízos que causarem a terceiros, por
culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou
escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso.
Note que a lei acaba de alterar a situação ao incluir a
culpa na caracterização da responsabilidade dos notários e oficiais de
registros. Essa mudança é deveras importante porque aquele que foi prejudicado
por algum ato notarial necessita provar
a culpa do notário, diferentemente da situação anteriormente pacificada em que
a responsabilidade era objetiva e o elemento subjetivo não era requisito. Desta
forma, atribuir a responsabilidade a um oficial cartorário ficou mais difícil
diante da infausta necessidade de provar a culpa. Pense: o quão complexo seria
diante de uma grande cidade como São Paulo num cartório central que realiza
centenas, ou até milhares, de atos diários, ser necessário demonstrar o elemento volitivo
do oficial por conta do ato danoso
que realizou em prejuízo a alguém?
A constitucionalidade da
Lei nº 13.286/2016 provavelmente será questionada no STF. Isso porque, como vimos acima,
o entendimento dominante consiste em aplicar aos notários e registradores a regra do art. 37, § 6º da CF/88 prevalecendo a responsabilidade
objetiva. Enquanto isso, a nova lei com esse entendimento já é válida e está
produzindo efeitos nacionalmente.
1 Artigo
elaborado para o Blog Núcleo OAB Jovem Londrina/PR em 14/05/16.
2 Gonçalves, Carlos Roberto, Direito civil brasileiro,
volume 4: responsabilidade civil / Carlos Roberto Gonçalves. – 9. ed. – São
Paulo : Saraiva, 2014, pg. 21,0 (programa calibre), livro digital
3 Apud Mello,
Celso Albuquerque de. Responsabilidade
Internacional do Estado, Rio de janeiro: Renovar, 1995, p. 4
4 Loureiro, Luiz Guilherme, Registros públicos : teoria
e prática / Luiz Guilherme Loureiro. - 5. ed. rev., atual e ampl. - Rio de Janeiro
: Forense ; São Paulo : MÉTODO, 2014, pg 56,7 (programa calibre), livro digital
5 Grifo nosso
6 STJ. 4ª
Turma. AgRg no AREsp 110.035/MS, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 23/10/2012 7
7 Loureiro, Luiz Guilherme, Registros
públicos : teoria e prática / Luiz Guilherme Loureiro. - 5. ed. rev., atual e
ampl. - Rio de Janeiro : Forense ; São Paulo : MÉTODO, 2014, pg 73,6 (programa
calibre), livro digital, com grifos nossos
8 Grifo nosso
9Gonçalves, Carlos Roberto, Direito
civil brasileiro, volume 4: responsabilidade civil / Carlos Roberto Gonçalves. – 9. ed. – São Paulo : Saraiva, 2014,
pg. 685,4 (programa calibre), livro
digital
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Guilherme Lucas Valério - OAB/PR 80.054
Membro do Núcleo OAB Jovem
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