segunda-feira, 30 de maio de 2016

A INSEGURANÇA JURIDICA, O NOVO CPC E O AFASTAMENTO DO LIVRE CONVENCIMENTO


Infelizmente, há anos, vivemos a realidade de que após milhares de julgados em determinado sentido, a turma recursal, inesperadamente, muda seu entendimento, muitas vezes de forma divergente da própria lei. Essaconstante insegurança jurídica, originada no princípio do Livre Convencimento, que deve em tese, ser motivado, mas nunca de forma antagônica à lei, destona da realidade vivida no judiciário brasileiro.

Há existência dessa oscilação jurisprudencialé negativa, nos vemos a mercê da carência de segurança jurídica processual,muitas vezes representada por sentençaspautadas no livre convencimento e repletas defundamentações vagas, ou até mesmo inexistentes, como por exemplo; O sistema normativo pátrio utiliza o princípio do livre convencimento motivado do juiz, o que significa dizer que o magistrado não fica preso ao formalismo da lei... (...) levando em conta sua livre convicção pessoal.” [1]

Tendo como exemplo, dessas bruscas guinadas jurisprudenciais, as ações revisionais de financiamento, as ações referentes a aditamentos em contrato de aluguel quanto ao fiador, bem como às que versam sobre o tempo de espera na fila dos bancos. Devido à enxurrada de ações, e baseados no livre convencimento, os tribunais mudaram de entendimento, retirando a força da lei que as embasava.

O Novo Código de Processo Civil expressa que a decisãodeve ser fundamentada por parte do magistrado, como explicita no Art. 489 [2], excluindo o Livre Convencimento do Art. 371[3], e vedando a existência de decisão suprema no Art. 10[4].Demonstrando um afastamento dos desmandos da livre convicção absoluta, como expressa o relator do Projeto o deputado Paulo Teixeira; [5]

“[...] embora historicamente os Códigos Processuais estejam baseados no livre convencimento e na livre apreciação judicial, não é mais possível, em plena democracia, continuar transferindo a resolução dos casos complexos em favor da apreciação subjetiva dos juízes e tribunais. [...] O livre convencimento se justificava em face da necessidade de superação da prova tarifada. [...]”

Há um evidente estreitamento com a Common Law [6], ao originar julgados atribuídos de integridade e coerência, dotadosde um substrato ético-político em sua concretização, isto é, munidos de consciência histórica. Assim, ao considerar a facticidade do caso, em concordância com o entendimento legal, afasta-se cada vez mais do discurso de Bülow ao Imperador, o qual originou as correntes voluntaristas, como a Escola do Direito Livre [7].  Entretanto, não veta a possibilidade de mudança de entendimento, apenas a condiciona, como expresso nos Arts. 926 [8] e 927 [9], que versam a respeito da modulação de efeitos, ao assegurar às partes, igualdade de tratamento com os demais.

O Procurador de Justiça do Estado do RS, Lenio Luiz Streck, mostra-se ferrenho defensor dos novos rumos adotados pelo Novo CPC, fazendo um contraponto entres dois “modelos de juiz”, e como se comportam frente à mudança quanto ao livre convencimento;

“No primeiro caso, um modo dogmático, voluntarista, autoritário, do tipo “sou juiz e não devo satisfação a ninguém”; “aonde já se viu me dizerem como devo julgar”; “nada está acima do meu livre convencimento”. Resultado: quer se mudar de Pindorama.” [10]

Fazendo um comparativo com o segundo modelo de juiz que identifica a falha no livre convencimento absoluto, afinal mesmo um conjunto de excelentes “consciências” leva ao caos, ou, no mínimo, gera a discrepância. Uma vez que os valores pessoais são contingenciais, nos remetendo a Habermas. E “Por isso, uma criteriologia vem bem... Ou seja: mesmo um conjunto de “boas pessoas” não garante decisões adequadas à Constituição.”[11]

Sendo aqui o inicio donosso real embate: a efetiva aplicação dessa nova legislação.E no que diz respeito à indignação de alguns magistrados quanto aos novos rumos do Código de Processo Civil: “Fique conosco e obedeça a legislação. Que, às vezes, não é como você gostaria, mas... o que fazer? Você não é legislador.”. [12]

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[1] STRECK, Lenio Luiz. Novo CPC decreta a morte da lei. Viva o common law! 2013. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-set-12/senso-incomum-cpc-decreta-morte-lei-viva-common-law>. Acesso em: 27 de Abril de 2016.

[2] Art. 489. São elementos essenciais da sentença:[...]II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem.§ 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.§ 2º No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão. § 3º A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé.BRASIL. Lei nº 13.105/15, de 16 de Março de 2015. Novo Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm> Acesso em: 28 de Abril de 2016.

[3] Art. 371: O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento.BRASIL. Lei nº 13.105/15, de 16 de Março de 2015. Novo Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm> Acesso em: 28 de Abril de 2016.
[4] Art. 10: O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.BRASIL. Lei nº 13.105/15, de 16 de Março de 2015. Novo Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm> Acesso em: 28 de Abril de 2016.
[5] STRECK, Lenio Luiz.Dilema de dois juízes diante do fim do Livre Convencimento do NCPC. 2015. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-mar-19/senso-incomum-dilema-dois-juizes-diante-fim-livre-convencimento-ncpc>. Acesso em: 28 de Abril de 2016.
[6] Common Law: estrutura jurídica mais comum em países de origem anglo-saxônica como Estados Unidos e Inglaterra, onde a fonte do Direito é basicamente a jurisprudência, logo estas devem ser bem fundamentadas,
[7] MELLO FILHO, Rogério Machado, A Aplicação do Direito sob a Ótica das Escolas de Interpretação das Normas jurídicas.
[8] Art. 926: Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. § 1o Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante. § 2o Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.BRASIL. Lei nº 13.105/15, de 16 de Março de 2015. Novo Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm> Acesso em: 28 de Abril de 2016.
[9] Art. 927: Os juízes e os tribunais observarão: I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II - os enunciados de súmula vinculante; III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional. V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados. § 1o Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1o, quando decidirem com fundamento neste artigo. § 2o A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese. § 3o Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica. § 4o A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia. § 5o Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores.BRASIL. Lei nº 13.105/15, de 16 de Março de 2015. Novo Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm> Acesso em: 28 de Abril de 2016.
[10] NUNES, Dierle José Coelho. Novo CPC promove o equilíbrio entre magistrados e advogados. Disponível em: <https://www.academia.edu/9811319/Novo_CPC_promove_equil%C3%ADbrio_entre_magistrados_e_advogados> Acesso em: 26 de Abril de 2016.
[11] STRECK, Lenio Luiz.Dilema de dois juízes diante do fim do Livre Convencimento do NCPC. 2015. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-mar-19/senso-incomum-dilema-dois-juizes-diante-fim-livre-convencimento-ncpc>. Acesso em: 28 de Abril de 2016.
[12] STRECK, Lenio Luiz.Dilema de dois juízes diante do fim do Livre Convencimento do NCPC. 2015. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-mar-19/senso-incomum-dilema-dois-juizes-diante-fim-livre-convencimento-ncpc>. Acesso em: 28 de Abril de 2016.



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