Infelizmente, há anos, vivemos a
realidade de que após milhares de julgados em determinado sentido, a turma
recursal, inesperadamente, muda seu entendimento, muitas vezes de forma
divergente da própria lei. Essaconstante insegurança jurídica, originada no
princípio do Livre Convencimento, que deve em tese, ser motivado, mas nunca de
forma antagônica à lei, destona da realidade vivida no judiciário brasileiro.
Há existência dessa oscilação jurisprudencialé
negativa, nos vemos a mercê da carência de segurança jurídica processual,muitas
vezes representada por sentençaspautadas no livre convencimento e repletas defundamentações
vagas, ou até mesmo inexistentes, como por exemplo; ”O sistema normativo pátrio
utiliza o princípio do livre convencimento motivado do juiz, o que significa dizer
que o magistrado não fica preso ao formalismo da lei... (...) levando em conta
sua livre convicção pessoal.” [1]
Tendo como exemplo, dessas
bruscas guinadas jurisprudenciais, as ações revisionais de financiamento, as
ações referentes a aditamentos em contrato de aluguel quanto ao fiador, bem
como às que versam sobre o tempo de espera na fila dos bancos. Devido à
enxurrada de ações, e baseados no livre convencimento, os tribunais mudaram de
entendimento, retirando a força da lei que as embasava.
O Novo Código de Processo Civil
expressa que a decisãodeve ser fundamentada por parte do magistrado, como explicita
no Art. 489 [2], excluindo o Livre Convencimento do Art. 371[3], e vedando a
existência de decisão suprema no Art. 10[4].Demonstrando um afastamento dos desmandos
da livre convicção absoluta, como expressa o relator do Projeto o deputado
Paulo Teixeira; [5]
“[...]
embora historicamente os Códigos Processuais estejam baseados no livre
convencimento e na livre apreciação judicial, não é mais possível, em plena
democracia, continuar transferindo a resolução dos casos complexos em favor da
apreciação subjetiva dos juízes e tribunais. [...] O livre convencimento se
justificava em face da necessidade de superação da prova tarifada. [...]”
Há um evidente estreitamento com
a Common Law [6], ao originar julgados atribuídos de integridade e coerência, dotadosde
um substrato ético-político em sua concretização, isto é, munidos de
consciência histórica. Assim, ao considerar a facticidade do caso, em
concordância com o entendimento legal, afasta-se cada vez mais do discurso de
Bülow ao Imperador, o qual originou as correntes voluntaristas, como a Escola
do Direito Livre [7]. Entretanto, não
veta a possibilidade de mudança de entendimento, apenas a condiciona, como
expresso nos Arts. 926 [8] e 927 [9], que versam a respeito da modulação de
efeitos, ao assegurar às partes, igualdade de tratamento com os demais.
O Procurador de Justiça do Estado
do RS, Lenio Luiz Streck, mostra-se ferrenho defensor dos novos rumos adotados
pelo Novo CPC, fazendo um contraponto entres dois “modelos de juiz”, e como se
comportam frente à mudança quanto ao livre convencimento;
“No primeiro
caso, um modo dogmático, voluntarista, autoritário, do tipo “sou juiz e não
devo satisfação a ninguém”; “aonde já se viu me dizerem como devo julgar”;
“nada está acima do meu livre convencimento”. Resultado: quer se mudar de
Pindorama.” [10]
Fazendo um comparativo com o segundo
modelo de juiz que identifica a falha no livre convencimento absoluto, afinal
mesmo um conjunto de excelentes “consciências” leva ao caos, ou, no mínimo,
gera a discrepância. Uma vez que os valores pessoais são contingenciais, nos
remetendo a Habermas. E “Por isso, uma
criteriologia vem bem... Ou seja: mesmo um conjunto de “boas pessoas” não
garante decisões adequadas à Constituição.”[11]
Sendo aqui o inicio donosso real
embate: a efetiva aplicação dessa nova legislação.E no que diz respeito à
indignação de alguns magistrados quanto aos novos rumos do Código de Processo
Civil: “Fique conosco e obedeça a
legislação. Que, às vezes, não é como você gostaria, mas... o que fazer? Você
não é legislador.”. [12]
____________________________________________________________________________
[1] STRECK, Lenio Luiz. Novo
CPC decreta a morte da lei. Viva o common law! 2013. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-set-12/senso-incomum-cpc-decreta-morte-lei-viva-common-law>. Acesso
em: 27 de Abril de 2016.
[2] Art. 489. São elementos essenciais da
sentença:[...]II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato
e de direito;III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais
que as partes lhe submeterem.§ 1o Não se considera fundamentada qualquer
decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:I - se
limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar
sua relação com a causa ou a questão decidida;II - empregar conceitos jurídicos
indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;III -
invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;IV - não
enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese,
infirmar a conclusão adotada pelo julgador;V - se limitar a invocar precedente
ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem
demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;VI - deixar
de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela
parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a
superação do entendimento.§ 2º No caso de colisão entre normas, o juiz deve
justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as
razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas
que fundamentam a conclusão. § 3º A decisão judicial deve ser interpretada a
partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o
princípio da boa-fé.BRASIL. Lei nº 13.105/15, de 16 de Março de 2015. Novo
Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm> Acesso
em: 28 de Abril de 2016.
[3] Art. 371:
O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que
a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu
convencimento.BRASIL. Lei nº 13.105/15, de 16 de Março de 2015. Novo Código de Processo Civil.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm> Acesso
em: 28 de Abril de 2016.
[4] Art. 10:
O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a
respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar,
ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.BRASIL.
Lei nº 13.105/15, de 16 de Março de 2015. Novo
Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm> Acesso
em: 28 de Abril de 2016.
[5] STRECK, Lenio Luiz.Dilema de
dois juízes diante do fim do Livre Convencimento do NCPC. 2015. Disponível
em: <http://www.conjur.com.br/2015-mar-19/senso-incomum-dilema-dois-juizes-diante-fim-livre-convencimento-ncpc>. Acesso
em: 28 de Abril de 2016.
[6] Common
Law: estrutura jurídica mais comum em países de origem anglo-saxônica como
Estados Unidos e Inglaterra, onde a fonte do Direito é basicamente a
jurisprudência, logo estas devem ser bem fundamentadas,
[7] MELLO FILHO, Rogério Machado, A Aplicação do
Direito sob a Ótica das Escolas de Interpretação das Normas jurídicas.
[8] Art. 926: Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável,
íntegra e coerente. § 1o Na forma estabelecida e segundo os pressupostos
fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula
correspondentes a sua jurisprudência dominante. § 2o Ao editar enunciados de
súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes
que motivaram sua criação.BRASIL. Lei
nº 13.105/15, de 16 de Março de 2015. Novo
Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm> Acesso
em: 28 de Abril de 2016.
[9] Art. 927: Os juízes e os tribunais observarão: I - as
decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de
constitucionalidade; II - os enunciados de súmula vinculante; III - os acórdãos
em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas
e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV - os
enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e
do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional. V - a orientação
do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados. § 1o Os juízes
e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1o, quando
decidirem com fundamento neste artigo. § 2o A alteração de tese jurídica
adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser
precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou
entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese. § 3o Na hipótese de
alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos
tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos,
pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da
segurança jurídica. § 4o A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência
pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a
necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios
da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia. § 5o Os
tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão
jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de
computadores.BRASIL. Lei nº 13.105/15, de 16 de Março de 2015. Novo Código de Processo Civil.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm> Acesso
em: 28 de Abril de 2016.
[10] NUNES, Dierle José Coelho. Novo CPC promove o equilíbrio entre magistrados e advogados. Disponível
em: <https://www.academia.edu/9811319/Novo_CPC_promove_equil%C3%ADbrio_entre_magistrados_e_advogados> Acesso
em: 26 de Abril de 2016.
[11] STRECK, Lenio Luiz.Dilema de
dois juízes diante do fim do Livre Convencimento do NCPC. 2015. Disponível
em: <http://www.conjur.com.br/2015-mar-19/senso-incomum-dilema-dois-juizes-diante-fim-livre-convencimento-ncpc>. Acesso
em: 28 de Abril de 2016.
[12] STRECK, Lenio Luiz.Dilema de
dois juízes diante do fim do Livre Convencimento do NCPC. 2015. Disponível
em: <http://www.conjur.com.br/2015-mar-19/senso-incomum-dilema-dois-juizes-diante-fim-livre-convencimento-ncpc>. Acesso
em: 28 de Abril de 2016.
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